sexta-feira, 1 de abril de 2011

O glifosato e a criação de superervas daninhas. Entrevista especial com Dionízio Grazziero

Trinta anos depois da introdução da transgenia, a agricultura sofre com um monstro criado pela prática. O Roundup, herbicida já antigo, mas poderoso, utilizado em plantações de soja transgênica, está transformando as ervas daninhas que deveria eliminar em verdadeiras superervas, resistentes aos inseticidas disponíveis no mercado. Porém, de acordo com o engenheiro-agrônomo e pesquisador da Embrapa, Dionízio Grazziero, o glifosato, apesar de ser molécula remota, na relação com outros produtos, tem características modernas para atender questões importantes ligadas ao ambiente e à saúde. “Acho que todo o produto usado inadequadamente, mesmo sal de cozinha ou aspirina, pode criar um problema colateral. O que apareceu, depois que surgiu a soja modificada geneticamente, foram muitos questionamentos a respeito do produto, principalmente ideológicos. Na verdade, isso não tem nada a ver, pois temos que nos basear nas questões técnicas e científicas, não na ideologia”, diz.

Em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, Grazziero destaca que, apesar da discussão girar em torno do uso dos agrotóxicos nas culturas transgênicas nos Estados Unidos, precisamos refletir sobre a posição do Brasil, que, segundo o pesquisador, tem uma cultura e um nível de informação muito desenvolvidos. “Já tive a oportunidade de estar nos Estados Unidos e acho que temos uma agricultura mais complexa. Nossa pesquisa e boa parte dos agricultores que hoje estão se dando bem adotam sistemas de produção que levam em conta rotação de culturas, de produtos, e toda essa gama de informações que a pesquisa agropecuária brasileira tem e que fornece ao agricultor. Ganhamos em um comparativo com a agricultura nos EUA”, frisa.

Dionízio Grazziero possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná, mestrado em Fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Agronomia pela Universidade Estadual de Londrina (2003). Atualmente, é Pesquisador II da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA SOJA).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que aponta o relatório elaborado pelo comitê do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos sobre culturas geneticamente modificadas e o uso de pesticidas?

Dionízio Grazziero – Quando tratamos deste tema, temos que separar o problema da resistência de plantas a herbicidas ou inseticidas ou qualquer coisa parecida, porque essas plantas são geneticamente modificadas através da mão do homem, das plantas resistentes aos herbicidas. Essas são plantas que existem na natureza cuja população possui biótipos suscetíveis e outros resistentes aos herbicidas. Acontece que esses biótipos são selecionados em práticas que temos nas lavouras, como, por exemplo, o uso continuado do mesmo herbicida. Com isso, vamos matando os biótipos suscetíveis, e vão ficando os biótipos resistentes. É isso que acontece hoje em relação à manipulação genética dos materiais da natureza que são destinados a um fator qualquer, que pode ser resistência a herbicidas, doenças ou pragas.

IHU On-Line – Como e quando surgiu o Roundup?

Dionízio Grazziero – O Roundup é um herbicida que surgiu em meados dos anos 1970, portanto, podemos considerá-lo antigo. Quando surgiu, foi um produto que entrou no segmento de dessecação de plantas daninhas. Foi pra isso que ele foi desenvolvido naquela época. Assim ele continuou sendo considerado até a década de 1990. Em lavouras frutíferas, ele era utilizado nas entrelinhas, com uso de pós-emergência para eliminar ervas daninhas. No caso da soja, do trigo e do milho, ele era utilizado no período entre as culturas. Hoje, mais de 150 espécies de plantas e ervas daninhas estão registradas para controle por Roundup. Na década de 1970, ele custava muito caro, lembro que o preço girava em torno de 25 dólares o litro. E era um dólar muito mais valorizado do que o atual. O tempo foi passando, e o Roundup passou a ser cada vez mais utilizado nas lavouras de milho, trigo, soja, frutíferas e café. Até que por volta dos anos 1990, a empresa modificou geneticamente as plantas de soja para que pudessem resistir ao uso desse produto. Antes, ele era um produto não seletivo. Depois, com o surgimento das plantas geneticamente modificadas, esse produto passou a ser utilizado também na cultura da soja.

IHU On-Line – Que tipo de superervas daninhas o herbicida Roundup anda criando?

Dionízio Grazziero – Os EUA já são conhecedores do problema da resistência há muitos anos, mas nós no Brasil começamos a ter esse problema no final dos anos 1980. E aí nós, pesquisadores, começamos a fazer programas de prevenção e alerta. Só a partir de 2004, oficialmente, a soja resistente ao Roundup começou a ser usada. Mas, no Rio Grande do Sul e, depois, em parte do Paraná, começou a entrar muita semente contrabandeada da Argentina, e já se usava a soja modificada a partir de 1998 com muita frequência, porque, do ponto de vista técnico, ele é um produto que elimina a planta daninha com mais facilidade do que os herbicidas normais daquela época.

Podemos trocar, aliás, o Roundup por glifosato. Isso porque o Roundup é uma marca comercial. Há diferentes formulações de herbicidas com a marca Roundup, mas existem outros produtos que também usam o glifosato. O Roundup-ready, por exemplo, é uma formulação especial, mas não deixa de ser glifosato. O glifosato é um produto técnico, e o mais comum é aquele criado na década de 1970 e que até hoje é utilizado. Depois foram feitas melhoras nele, e uma delas é o Roundup-ready, que é permitido utilizar na soja transgênica.

Passamos a chamar de resistentes um produto que matava uma espécie e deixou de fazer isso, deste modo, a planta resistente passou a crescer dentro do campo. Assim surgiu a soja transgênica. Ela ainda não estava oficialmente liberada, principalmente no RS. Quando o pessoal começou a perceber o efeito que esse glifosato fazia, todos procuraram utilizar a soja transgênica, pois tinha maior controle da planta daninha.

Hoje, o problema da planta daninha está ligado ao glifosato, não necessariamente à soja transgênica. Pois, na verdade, o que temos, no Brasil, como o problema da resistência buva, que encontramos bastante no Rio Grande do Sul. Até existem relatos disso, como o do amendoim bravo resistente ao glifosato, mas ainda é uma questão de baixa resistência. Essas espécies de plantas se estabelecem no período de entressafra, uma vez que têm a capacidade de multiplicação e estabelecimento muito grande, elas foram, então, ganhando espaço. Até porque, muitos biótipos no meio dessas plantas já eram resistentes ao glifosato, por uma questão de seleção natural. Os indivíduos mais aptos sobrevivem, já dizia Darwin. Isso, de certa forma, também vale para o problema dos Estados Unidos, mas é preferível tratarmos de nossos problemas aqui no país. Os agricultores americanos, tais quais os brasileiros, acabam usando um determinado tipo de produto, mas as ervas têm tipos variados. Eles têm muitos problemas com o Caruru e a buva.  Porém, a causa do problema, que foi o uso indiscriminado do mesmo mecanismo de ação, acabou elevando o problema da seleção das plantas resistentes.

Interagimos muito com o pessoal da Embrapa do Rio Grande do Sul, pois temos um problema muito semelhante no Paraná, embora o estado tenha algumas mudanças. Nós utilizamos muito milho safrinha, o que facilita a germinação dessas plantas resistentes. Nossos problemas ligados ao glifosato são, principalmente, de plantas que estão na entressafra. Temos outra espécie que está surgindo, que existe muito no Paraguai, através de sementes carregadas pelo vento e que também começou a criar problemas no Paraná. Esta planta, que chamamos de capim amargoso ou digitaria insularis, também pode acontecer dentro da cultura, mas é característica da entressafra.

A solução existe. Normalmente quando se tem problema de resistência, o agricultor pode estar certo que também terá problemas técnicos e de custos. Se havia um produto que controlava uma erva importante e que, de repente, não controla mais, provavelmente vai se continuar usando esse produto, já que ele controla um grande número de espécies, mas terá que ser colocado outro produto para poder controlar aquela espécie. Isso, além de dificuldades técnicas, também representa aumento no custo de produção. Uma dor de cabeça muito grande para nós técnicos e para os agricultores.

É importante lembrar também que o problema não está somente no Rio Grande do Sul e no Paraná, está no Brasil inteiro. Porém, os problemas no Brasil central ainda são mais fortes, em relação a esses inibidores de produtos convencionais, como a ALS e a ACCase. Esse problema está ligado a uma prática que não é recomendada. Abandonamos, na agricultura como um todo, sem apontar culpados, os conceitos básicos de manejo de plantas daninhas e de sistemas de produção, isso inclui rotação de cultura, uso de coberturas mortas e uma agricultura mais diversificada no sentido de diminuir os problemas de doenças, de pragas e plantas daninhas. Até por uma questão econômica, seguimos por uma monocultura ou um padrão de cultura, no qual negligenciamos os sistemas de produção. Todas essas coberturas nos ajudam a controlar a planta daninha e em todas as etapas de controle de doenças. Infelizmente, abandonamos esses conceitos.

IHU On-Line – Foi o herbicida que criou a resistência?

Dionízio Grazziero – Não, o herbicida não causa a resistência. A resistência não é causada, ela está aí, são biótipos que já existem e têm a capacidade genética de suportar esses produtos. O herbicida não causou, ele selecionou. Por trás dele, também está o homem. O problema é grave e traz uma série de consequências técnicas e econômicas, mas ainda temos a solução. É possível convivermos com esse problema, porém, é preciso estar atento porque, se continuarmos com essa agricultura de monocultura que temos hoje, ficará cada vez mais complicado. Nessa agricultura, muitas vezes, não atentamos para detalhes pequenos. Outro dia estive em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, e um colega engenheiro agrônomo falou que um agricultor tinha levado a máquina, não a limpou e introduziu buva resistente ao glifosato nesta região. São esses detalhes simples que têm um reflexo técnico e econômico fundamental. Essas ervas não são super-resistentes, são resistentes por um processo natural, mas nós homens acabamos dando a chance de serem selecionadas.

IHU On-Line – Em relação a outros herbicidas, o glifosato é mais ou menos prejudicial?

Dionízio Grazziero – O glifosato é uma molécula antiga e tem características importantes ligadas às questões do ambiente. Acho que todo o produto usado inadequadamente, mesmo sal de cozinha ou aspirina, pode criar um problema colateral.  Eu, que comecei a trabalhar na Embrapa em 1975, acompanhei a fase que tínhamos produtos altamente tóxicos, prejudiciais ao meio ambiente. Percebi que houve uma evolução muito grande na indústria, de lá para cá. Mesmo o herbicida sendo um produto lá da década de 1970, ele tem características importantes em relação ao ambiente e ao homem. O que apareceu, depois que surgiu a soja modificada geneticamente, foram muitos questionamentos a respeito do produto, inclusive ideológicos. Na verdade, isso não tem nada a ver, pois temos que nos basear nas questões técnicas e científicas, não na ideologia. Em relação aos outros produtos, o glifosato é um produto que tem características modernas, de atender questões importantes ligadas ao ambiente e a saúde.

IHU On-Line – Como o senhor vê a questão da proibição do glifosato?

Dionízio Grazziero – Já enfrentei diversas situações, e, como pesquisador, com 35 anos de trabalho nesta área, baseio-me nas questões técnicas. Acho que devemos ter dados concretos para poder falar, devemos nos basear em situações reais e técnicas. Entendemos muito dos problemas ligados à agricultura, outros segmentos da ciência entendem muito dos problemas relacionados com o meio ambiente, outro entende a questão da saúde, e assim por diante. Eu, particularmente já tive a oportunidade de ser um consultor de ministérios, onde pude manifestar minha opinião junto a outros consultores de meio ambiente, saúde e agricultura, e discuti a questão da transgenia e do uso do glifosato. Limito-me às questões agronômicas. Deste ponto de vista, a proibição do glifosato deve ser provada, já que não existe uma razão para isso. Em segundo lugar, será um desastre se isso acontecer. Precisamos entender o que acontece no campo. Se algum problema grave, como foi levantado várias vezes, for comprovado dentro de metodologias que são aceitas internacionalmente, deve se discutir e se aceitar que seja um problema, mesmo que este seja utilizado dentro dos padrões recomendados. Mas, até lá, proibir por proibir causará um impacto violento ao agricultor, à agricultura, ao agronegócio e ao sistema de produção.

IHU On-Line – Sobre a situação dos Estados Unidos em relação ao uso dos agrotóxicos nas culturas transgênicas, como o senhor analisa e compara com a situação atual do Brasil?

Dionízio Grazziero – Já tive a oportunidade de estar nos Estados Unidos, em seminários que realizamos sobre o tema da resistência no Brasil. Acho que temos uma agricultura mais complexa. Os EUA têm períodos bem definidos, por causa das nevascas, quando a agricultura zera. Embora existam plantas como a buva, por exemplo, que desaparecem, mas rebrotam quando o tempo esquenta. Temos uma filosofia que deve ser engrandecida. Nossa pesquisa e boa parte dos agricultores que hoje estão se dando bem, adotam sistemas de produção que levam em conta a rotação de culturas, de produtos, e toda essa gama de informações que a pesquisa agropecuária brasileira tem e que fornece ao agricultor. Por exemplo, a buva, planta de linha resistente ao glifosato, é de difícil controle, mas tem solução quando integramos métodos de controle. Se nós deixarmos uma área em pozil e quisermos controlar no momento de fazer o plantio da soja, teremos muito problema. Gastaríamos muito dinheiro e não iríamos controlar. Mas se fizermos isso integrado com o plantio de aveia ou milho, manejando adequadamente dentro das indicações feitas pela pesquisa, é possível controlar sem problemas, sem convivermos com essas espécies.

No início, quando apareceram essas espécies, tivemos perdas incríveis de rendimento. Essas plantas vieram das entressafras, como a buva, que nasce entre os meses de junho e julho, que os agricultores achavam que tinham controlado, mas que reaparecia na cultura da soja. Nestas condições, temos diversas alternativas. Temos técnicas e poderíamos fazer isso no Brasil com muita facilidade, coisa que normalmente os agricultores nos EUA têm muito mais dificuldade, até por uma questão de clima. Percebemos que temos uma cultura mais ligada à utilização de sistemas de produção que contemplem métodos de controle e rotação de cultura. Mas, é claro que entendemos o problema do agricultor, das políticas agrícolas que não o estimulam na questão técnica. Temos uma cultura e um nível de informação muito desenvolvidos, e ganhamos em um comparativo com a agricultura nos EUA. 

Fonte:

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=32327 

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